Talvez o prenúncio de um desastre, mas que não pode, E NÃO VAI acontecer

Se há argumento que definitivamente não aceito, é que os jogadores do Benfica se aburguesaram e que é por isso que enfrentamos um início de época tão difícil.

Não colho definitivamente o argumento, que até pode fazer sentido no papel mas que não faz sentido nenhum para quem tenha um mínimo de sensibilidade para estas coisas, quando se diz por exemplo, que ah e tal que o Benfica pode até não ter o melhor plantel da Liga mas tem de dar para vencer ao Boavista ou ao Basileia.

E não colho por uma razão: O futebol é muito mais do que a soma da qualidade dos jogadores de cada equipa. E há que entender o impacto brutal que o estado anímico tem numa equipa de futebol.

É preciso sensibilidade para entender o peso que esta responsabilidade de jogar no Benfica traz aos jogadores, o peso enorme da paixão de milhões de adeptos que carregam semana após semana nos seus ombros.

Querem-me fazer crer que o Rafa não tem jogado um centavo furado porque não corre? Que o Augusto não tem colocado em campo tudo aquilo que tem para dar? Que o Pizzi deixou de conseguir fazer um passe acertado porque se aburguesou? Que o Almeida não é o lateral que o Benfica precisa porque se acomodou? Ou que o Seferovic de repente desapareceu do jogo porque ao fim de três bons jogos achou que era o melhor do mundo?!

Claro que não! Acontece simplesmente que às vezes, até os jogadores sentem a impotência e são tão tolhidos pelo negativismo que sentem à sua volta, que deixam de ser capazes de jogar aquilo que sabem.

Somos melhores do que o Boavista ou do que o Marítimo ou que o Basileia? Claro que sim. Mas há esta coisa de se saber que somos o Benfica, e que todos os adeptos nos exigem – mesmo com todas as insuficiências que temos – de jogar sempre à Benfica.

E jogar à Benfica é ir para cima do adversário, tentar ganhar desde o primeiro minuto. A pressão de jogar no Benfica é perceber que os Benfiquistas nunca vão aceitar que uma equipa do Benfica reconheça as suas insuficiências e que jogue como pode jogar um Boavista ou Marítimo, confortável lá atrás à espera do erro do adversário, porque o tempo corre a seu favor e um 0-0 é um resultado que lhes serve muito bem.

O problema em alguns momentos não é o óbvio de sabermos que jogador por jogador somos melhores do que o Boavista e temos sempre a obrigação de ganhar. O problema é estarmos confortáveis na nossa pele, na nossa responsabilidade, na forma como nos apresentamos em campo, e sabermos que muitas vezes a equipa que ganha não é a que tem os melhores jogadores mas aquela que tem a estratégia que melhor se adequa aos jogadores que tem e ao momento que atravessam.

Há momentos em que as dificuldades aconselhariam que o Benfica adaptasse a estratégia a esse momento: Por exemplo, que em Basileia não assumisse logo a responsabilidade de vencer o jogo desde o primeiro minuto partindo logo para cima do adversário e expondo-se cá atrás.

Se o problema maior do Benfica neste momento é a defesa, é esse sector que tem de proteger. Mas ao Benfica não se aceita que se assuma as fragilidades. Não se aceita que o Benfica vá jogar a Basileia na retranca, sendo nós à espera do erro adversário.

E é essa responsabilidade que tantas vezes altera a lógica do jogo. Nós somos o Benfica, temos de ir a Basileia e partir para cima do adversário, porque se não for assim virão os assobios da bancada. Os adeptos não nos permitem jogar de outra maneira. E os treinadores adversários sabem que somos obrigados pela nossa grandeza a expor-nos e que essas são as fragilidades que eles irão explorar.

E é esta pressão de se jogar no Benfica que explica muitos desaires. Não é o aburguesamento, e muito menos dos jogadores.

Os jogadores percebem os momentos, percebem as insuficiências, percebem quando se lhes exige o que dificilmente serão capazes de dar e sabem quando não são eles os mais fortes.

Percebem já hoje, que esta noite só podem ganhar, ganhar ou ganhar, porque não ganhando, sendo ou não culpa deles, serão eles que serão brindados com um coro de assobios.  Serão eles que serão encostados à parede.

E é por isso que os jogadores são quase sempre quem menos culpo nestes momentos. Os jogadores, meus amigos, dão sempre tudo aquilo que têm e sabem... Às vezes sabem é pouco, e no Benfica este ano há vários que sabem muito pouco. Mas não é culpa deles se lá estão. Nem é culpa deles se às vezes são apenas mentalmente fracos.

O pior que pode acontecer é um jogador de um clube com a dimensão do Benfica sentir tantas vezes, que aqueles 90 minutos são o prenúncio de um desastre prestes a acontecer...

E esse é portanto o desafio desta noite, bem mais do que o saber-se que jogador por jogador somos melhores do que o Marítimo:

É o desafio de irmos buscar forças onde elas não existem, é transcender-nos, é perceber a importância do jogo mas haver um clique que nos possa libertar de alguns fantasmas e partir para uma grande exibição e uma grande vitória... Porque esta noite pode também ser a noite da reviravolta, pode parecer ser o prenúncio de um desastre, mas é um desastre que não pode E NÃO VAI acontecer.